O assunto é sério e, pelo andar da carruagem, também muito preocupante. De repente uma onda de Projetos de Leis invade Câmaras de vereadores, Assembleias Legislativas e chega até o Congresso Nacional: Projetos Escola Sem Partido ou Escola livre. Notícias têm pipocado na mídia, como podemos ver aqui, aqui e aqui.
Por que considero o assunto sério? De fato, o professor que usa do seu lugar de autoridade dentro de uma sala de aula para fazer doutrinação ou para fazer apologia a este ou aquele partido político ou ainda para impor uma crença ou a não crença a seus alunos está agindo de maneira errada. A partir do momento que isso seja comprovado por pais e/ou alunos, o professor deve responder pelos seus atos. Ações como perseguição, chantagem, assédio moral ou qualquer outra que tenha motivação política, religiosa ou ideológica em geral e que venha a causar danos aos alunos devem ser denunciadas e coibidas nas escolas.
No entanto, o que estamos vivenciando é uma forte onda conservadora que, em nome de alguns direitos, tem claras intenções de impedir discursos que contrariam suas verdades, ao mesmo tempo que reforça posturas e ideias preconceituosas, disfarçadas sob o título de valores e crenças morais. Basta prestar um pouco de atenção nos discursos que movimentos como o Escola sem partido têm produzido para percebermos que o desconforto deles é com certos partidos e com certas ideologias e religiões. O grande problema dessa galera é com o discurso de esquerda, de professores que se identificam ou militam em favor de certas causas sociais. Não estou dizendo que esses professores têm o direito de doutrinar seus alunos. No entanto, estando numa escola, pois sou professora, sei bem que há professores que se identificam com partidos de direita e que também usam a sala de aula para defenderem e difundirem suas ideias. Mas com esses não estão muito preocupados. Alardeiam apenas a doutrinação de esquerda. Outra coisa que incomoda bastante essa galera que quer uma Escola insípida e professores neutros é o que eles resolveram chamar de Ideologia de Gênero. Essa bizarra expressão surgiu entre aqueles que se recusam a aceitar que há machismo na sociedade em que vivemos, para os quais não seria necessário buscar igualdade entre homens e mulheres. Mas o que mais assusta esse povo é falar em direitos iguais para todos, independente da orientação sexual ou de qual a identidade de gênero do indivíduo. É importante esclarecer que essa expressão, "ideologia de gênero", não faz parte do vocabulário acadêmico-científico, mas foi forjada com sentido pejorativo para desqualificar debates que visam promover igualdade, respeito e tolerância. Mas isso é assunto para outro post. Outro tema muito caro para boa parte dos que defendem esse tipo de lei diz respeito a religião ou crença. Na fala de alguns, tratar de religiões de matriz africana, trazer seus mitos e rituais para materiais didáticos seria proselitismo. Valorizar traços da cultura de um dos povos que está na raiz do povo brasileiro e que sempre foi hostilizado e vítima de uma visão distorcida e preconceituosa não é visto como política de reparação e de equiparação, mas como privilégio, contra a religião dos outros agarra-se na defesa do Estado Laico...Mas quantas escolas (inclusive a minha) ostentam símbolos cristãos ou mesmo católicos, e ninguém lembra que o Estado é Laico.
Quanto ao professor em sala de aula, precisamos pontuar algumas coisas. Primeiro, algumas disciplinas necessariamente terão que trabalhar com temas considerados espinhosos ou controversos, como é o caso de Filosofia, Sociologia, História, Biologia. Segundo, não parece que seja crime um professor expressar sua opinião sobre um assunto qualquer, ainda menos se esse assunto faz parte dos conteúdos abordados por sua disciplina. Expressar uma opinião não é o mesmo que impor sua opinião. O discurso da neutralidade muitas vezes será questionado pelos próprios alunos. Adolescentes são curiosos, gostam do enfrentamento e, claro, também estão em busca de referências e tudo isso contribui para que eles muitas vezes sejam incisivos ao quererem saber a opinião do professor sobre determinados temas. Expor essa opinião não torna um professor um doutrinador, nem está imediatamente influenciando os alunos. É importante que fique claro que se trata de uma opinião entre outras, que o professor não espera que os alunos concordem com ele.
No entanto, parece que estamos caminhando para situações mais complicadas, quando vemos pessoas questionando os Direitos Humanos, ou questionando valores como o respeito, a igualdade e a tolerância. O debate em sala de aula deve seguir alguns parâmetros e, ainda que os alunos devam se sentir livres para expressarem suas opiniões, essas opiniões não podem ferir direitos alheios ou servir para propagar preconceitos. Um professor que interfira numa fala que faça apologia a violência contra homossexuais, por exemplo, não pode ser acusado de estar defendendo uma ideologia. Se algum aluno se manifesta de maneira machista ou racista numa sala de aula, não devemos tolerar tais falas em nome da liberdade de expressão.
Mas do jeito que a coisa anda, tudo isso pode virar crime logo, logo. Se depender da patrulha que essa galera tem feito, ai do professor que manifestar até mesmo qual seu time do coração, ou ousar expressar sua opinião sobre o último filme que viu no cinema. Afinal, como defende essa galera, o papel do professor é passar sua matéria e ponto.
Assusta-me muito nesses discursos a ausência de consciência de vida em sociedade, de que existem divergências, ideias diferentes, gostos diferentes e de que é através do debate que as ideias são construídas. A defesa que se faz do indivíduo e de valores individuais se sobrepondo ao coletivo, ao grupo, denuncia posturas que atacam as bases que possibilitam a vida em sociedade. Acusam professores de serem doutrinadores, mas defendem o pensamento único como sendo um direito do cidadão.
Se não pudermos discutir temas polêmicos numa sala de aula, onde mais poderemos fazê-lo? Se a política for rechaçada das escolas, quando os jovens terão a oportunidade de formarem suas opiniões?
Infelizmente, nas entrelinhas de projetos como o que foi aprovado em Alagoas podemos perceber uma censura e uma caça às bruxas que tende a favorecer o obscurantismo e a intolerância.
Tempos difíceis esses em que vivemos, mas parece que ainda podem piorar bastante...
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